A cruel face da justiça brasileira: o obscuro e enraizado preconceito social nas decisões.

     



              Quem nunca ouviu falar que a Justiça é cega? Mas poucos entenderam que essa condição LIMITADORA nada tem a ver com o fato de que todo mundo é igual diante dela, mas porque isso lhe confere ouvidos poderosos para fazer distinção entre os que têm mais voz. O dinheiro berra!

            Nas sentenças dos magistrados brasileiros existe uma expressão que, juntamente com a "devedor contumaz", garante à parte autora, que buscou seus direitos de forma legítima, a pecha de "malandro, esperto": "Sob pena de enriquecimento sem causa". Isso é tão ultrajante, humilhante até, que se o cidadão perdesse a causa haveria até sentido em se empregá-la, mas quando o direito é legítimo, por que insistir em se ofender a vítima? Vai chegar o dia em que um aposentado, que teve seus proventos devassados por um banco qualquer, diante de uma sentença vitoriosa para ele, mas que carregue tal expressão, ingresse com um recurso contra o Estado alegando ofensa à sua dignidade. Se houve vitória na causa, não há porque se dizer isso. Claro que os magistrados já têm uma desculpa pronta para a utilização desse recurso linguístico, mas, sinceramente, qual efeito haverá se ele não for utilizado? Assim, vê-se que o intuito é apenas de se rebaixar quem já se humilhou diante dos tribunais.

                Pior que a ofensa está o fato de se mensurar o valor da causa, não pelo dano, apenas, mas pela condição financeira do autor: quanto mais humilde ele for, menor o montante conferido na sentença. E isso, por incrível que possa parecer, aplica-se até entre os semelhantes de toga. Quem não se lembra daquela sentença cruel que foi imposta a Monica Iozzi? Por "ofender" o ministro do STF, Gilmar Mendes, ela foi condenada a indenizá-lo em R$ 30 mil; se a ofensa fosse contra o síndico do prédio dela, isso cairia para um décimo (se não fosse considerada "mera chateação"). Aí surge um pedido de indenização, dos advogados de Edir Macedo, contra o ex-prefeito Fernando Haddad, por ofensa à honra, no valor de 83 salários-mínimos. E de quanto foi a condenação? Foi de R$ 79.182,00, ou... 83 salários-mínimos em 2018! Sem nem um centavo a mais ou a menos. Mas... como assim? Ora, quando você pede R$ 5 mil, um magistrado lhe garante R$ 3 mil, caso seja procedente o pedido; quando pede R$ 50 mil, cai para R$ 10 mil, sob pena do tal do "enriquecimento sem causa". Então como Edir Macedo conseguiu o feito de ter 100% do pedido aceito pelo magistrado e Gilmar Mendes, não? Porém, graças a Deus, essa decisão bizarra foi revertida, para o azar do guru da IURD. Por enquanto. 

                   Mas, afinal, se Edir Macedo conseguira, temporariamente, o valor integral do que pretendia, e é estranho ele querer 83 SM's, mas não, simplesmente, dar um valor, tipo R$ 50 mil ou R$ 100 mil, quanto pediu Gilmar Mendes para que recebesse R$ 30 mil? Ao G1, o advogado da atriz, Thiago Ladeira, disse que providenciou o pagamento da indenização, que ele estima cair entre 15 e 30 dias. "O pedido [dos advogados de Gilmar Mendes] era de R$ 100 mil, e acabamos conseguindo uma redução substancial. No mérito, a gente deixou bem claro que não existia qualquer dano. Mas o juiz entendeu que houve dano e quantificou o valor." (fonte: https://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/justica-do-df-arquiva-processo-movido-por-gilmar-mendes-contra-monica-iozzi.ghtml)

                Gilmar Mendes, então, seria menos importante que Edir Macedo, para que houvesse uma diferença tão gritante entre valores? Isso vai depender do tal do "entendimento do juiz". Se aqui fosse um país sério, ambos teriam direito a não mais que R$ 3 mil, enquanto uma aposentada, cujo benefício do INSS fora devorado por um empréstimo nunca feito, mereceria, aí, sim, receber R$ 100 mil e em até 48 horas após o prazo dado ao banco para apresentar provas de que ela tivesse mesmo feito o negócio. E melhor: casos como o dela nem chegariam ao juiz, já seguiriam uma tabela pregada na entrada de qualquer fórum do país: indenização por empréstimo não solicitado: noventa salários-mínimos, com pagamento em até 48 horas após entrada do processo para distribuição.

                  O caso da "aposentada" do parágrafo anterior é possível? Não! Mas... por quê, não? Porque existe uma turma de engravatados mal-intencionados que insiste em, segundo eles, lutar contra a "indústria do dano moral". Ora, se houvesse no Brasil o chamado "dano punitivo" (punitive damages, em inglês), as grandes empresas, com medo de pagar somas vultosas, teriam de se tornar mais eficientes, e isso beneficiaria toda a sociedade, além de aliviar a carga nos tribunais. 

                   Se chegou até este parágrafo, talvez você esteja se perguntando: "O título só diz respeito a Edir Macedo e a Gilmar Mendes"? Na verdade, não, mas, para não me alongar mais, vou narrar dois episódios na mesma Corte, o STJ, que causará arrepio e indignação a você. Discriminação social: 

                    Para o STJ, "Multa por descumprimento de decisão judicial não é punição." Eu não concordo com isso. Multa é, sim, punição. Em seguida, o entendimento dos ministros alega que o valor pode ser revisado a qualquer tempo para que se respeite um princípio de razoabilidade e de proporcionalidade, justamente para não conferir enriquecimento "indevido" (é, trata-se de um termo pejorativo, mesmo) à vítima. Mas a conversa não é bem assim: o que eles querem dizer é que "enriquecimento indevido" só se aplica a quem é humilde, pobre, mesmo; para quem está na outra ponta, é um "montante que não enriquece o autor". 

                O primeiro caso, de número 0005112-57.2014.8.19.0000, trata de "Embargo de divergência em agravo em recurso especial". De um lado, o todo-poderoso Bradesco; do outro, uma família de recursos modestos e que fazia uso da justiça gratuita. Aqui você já deve ter adivinhado o destino que o caso teve, não? Bem, não que o banco tenha obtido uma vitória plena, mas que deixou uma parte, a mais fraca, humilhada e revoltada, com certeza isso deixou. Deixou porque a obrigação de fazer do banco havia atingido o montante de R$ 750 mil (em 2013, e o processo é de 2005 e ainda está correndo em pleno 2021!!), dos quais R$ 730 mil correspondiam às astreintes (multas diárias que forçam a parte perdedora à obrigação de cumprir uma decisão judicial e que pertencem, única e exclusivamente aos autores, nada para advogados) e os R$ 20 mil restantes eram de ressarcimento (veja link abaixo). 

                Em 2014, nove (!!!) anos após a entrada do processo, e um ano depois do depósito de R$ 750 mil (isso, pelo que entendi, não foi para pagar aos autores, mas um recurso para dar pausa na contagem das multas até todos os recursos do banco cessarem), o Bradesco entrou com recurso clamando redução no valor das astreintes, e, tanto nas instâncias ordinárias como no posterior STJ, o montante devido passou a ser de R$ 100 mil!!! Aqui você diria: "Ora, mas de R$ 20 mil a que os autores tinham direito, eles receberam cinco vezes mais... está ótimo". Primeiro, não se vê, nos passos do processo no STJ, a disponibilidade de alvará algum; segundo, estamos para completar 17 anos de um processo MUITO simples: "banco tem de ressarcir em tal prazo, sob pena de X de multas; anos se passam, banco não obedeceu e terá de pagar em até 48 horas, sob pena de ter as multas multiplicadas por 2 e penhoras diretamente no BacenJUD." Deveria ser assim. E aqui vale uma observação: como eu disse, no parágrafo anterior, que as multas vão para os autores, e que nada é destinado, delas, para os advogados, pessoas que passem por situação em que envolvam essas astreintes precisam saber que esse mesmo STJ já bateu o martelo acerca desse assunto: "Astreinte não integra base de cálculo de honorários advocatícios". 

                Resumindo o caso: é revoltante, é desolador, você descobrir que um banco tem de lhe pagar uma "fortuna" que pode mudar a sua vida, quem sabe garantir uma operação de emergência para um ente querido, e ver a justiça pender a balança para o lado que "disse": "Está em quanto o valor das astreintes? Tudo isso? O caminho é simples: quem são os autores? Família modesta? Vamos depositar, de boa-fé, esse montante e entrar com recurso para atrasar tudo, alegando que não estamos pagando nada, apenas garantindo o bom andamento do processo. Em seguida, os magistrados, sabendo da condição humilde dos que sonharam alto, vão reduzir o valor, porque eles têm aquele raciocínio torto de não garantir enriquecimento indevido. Vamos fazer a parte sangrar em anos de espera, porque se depositarmos agora, em 2013, chegaremos a 2021 com oito anos sem contar no cálculo, mas os trouxas não saberão disso." 

O link para essa história de terror:  https://www.conjur.com.br/2021-abr-07/stj-reduz-astreinte-chegou-40-vezes-valor-condenacao 

             Vamos para o segundo caso, e vou logo direto ao ponto: "STJ confirma multa de R$ 3,1 milhões por descumprimento de decisão de R$ 20 mil". Sim, isso já resume tudo, mas por que a mesma corte reduziu uma obrigação de fazer que atingiu R$ 3,1 milhões em cima de R$ 20 mil, este o mesmo valor do caso anterior que teve uma redução tão brutal? Ora, lembra que falei que a família era modesta? Para ela, seria "enriquecimento sem causa" (indevido? Sério?); então, aqui só pode ser, o autor, um "figurão". Bem, não quero e nem posso adentrar a vida íntima dele, nem tampouco dizer que ele teve alguma conduta errada, mas o que valeu para ele deveria ter valido para o primeiro caso (mesmo este sendo mais antigo). Assim, o que eu posso dizer é o sobrenome dele remete a alguém possivelmente de recursos "nórdicos":  Hoefling. 

          O Sr. Hoefling teve o nome negativado por outro gigante bancário, o Santander, por um financiamento de veículo que nunca fez. Mais uma vítima, coitado. Valendo dos seus legítimos direitos, ele ingressou na justiça e ganhou. A primeira coisa que me chamou a atenção, comparando ao caso anterior, foi o valor exorbitante das astreintes para que a instituição limpasse o nome dele: R$ 3 mil ante R$ 500 (e esse valor era inicialmente menor) da família modesta. Realmente, um valor um tanto quanto suspeito, mas não porque o cidadão não fosse digno dele, e sim porque astreintes inicialmente nesse montante não são muito comuns. Hum... Resultado: R$ 3,1 milhões SEM possibilidade de redução!!! Sim, aqui não coube a teoria cruel do "não garantir enriquecimento indevido". Por que não? POR QUE... NÃO?

O link para essa história de amor: https://www.conjur.com.br/2020-mai-26/stj-confirma-multa-milhoes-nao-pagamento-20-mil           

            Agora, olhando os links notamos a data das postagens: no caso aterrorizante, um ano antes do de terror não era tempo suficiente para se reduzir as astreintes do Sr. Hoefling, não? Por que o Santander não entrou com um recurso alegando, sei lá, divergência abusiva entre decisões sobre mesmo tema, algo assim? E pior: por que a família modesta não recorre à ONU contra o STJ, alegando discriminação social? Na verdade, estou brincando, quando me refiro à Organização das Nações Unidas... Um momento! Que tal recorrer ao Tribunal de Haia? Sim, porque é um caso de crime contra a Humanidade. 

           Para finalizar, vou colocar parte do entendimento dos dois casos para que você adivinhe a qual cada uma se refere:

1) "Não é possível admitir que em toda e qualquer hipótese haja a limitação do valor de multa por descumprimento de decisão judicial, sob pena de conferir ao condenado livre arbítrio para decidir o que melhor atende a seus interesses. O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que sua desobediência trará consequências mais gravosas do que o cumprimento."

2) "Multa por descumprimento de decisão judicial não é punição. Seu valor pode ser revisado a qualquer tempo, sempre com base na efetividade da tutela, mas também na proporcionalidade e razoabilidade. O processo é instrumento de efetivação de garantias e não pode ser usado para enriquecimento indevido."

            Um absurdo, existir isso numa mesma corte. Bastante desumano!



        

           


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